O eterno debate sobre os limites do humor
Pessoas a demonstrar o seu descontentamento relativamente a questões relacionadas com
humor é o que não falta por aí. Isto acontece particularmente nas redes
sociais: insultos a humoristas, críticas a tudo e a nada. O
que está em causa é o facto de, hoje em dia, tudo ser um motivo de ofensa. Tudo o
que é dito em forma de brincadeira, é visto como um ataque pessoal. Na nossa sociedade atual, uma simples piada pode gerar o caos.
Grande
parte das vezes, as piadas humorísticas são construídas tendo em conta aspetos negativos do
comportamento humano de forma a criticá-los e abrir caminho
para o público refletir acerca dos mesmos. Seguindo esta linha de pensamento, o humor não tem somente a capacidade de fazer rir, entreter. Ajuda-nos a pensar sobre o que se passa na sociedade quer
seja a nível político, social, cultural, etc. Leva-nos, ainda, a fazer uma autorreflexão.
O que somos enquanto seres humanos? Como nos podemos tornar melhores pessoas? Dou como exemplo o humorista britânico Ricky Gervais, que tem a capacidade inigualável de pegar numa
dada situação, por mais ridícula que possa ser, e transformá-la num ensinamento em forma de piada. Por
exemplo, nos seus espetáculos de stand-up já criticou várias vezes os maus tratos e a tortura a animais. Ele tem esta capacidade de nos fazer
sentir desconfortáveis relatando assuntos sensíveis e, no final, acaba por
criticar esses comportamentos e torná-los numa lição de vida. Para além disso, através do seu humor um tanto ou quanto sofisticado, ele tem a capacidade de dizer a verdade que muita gente rejeita aceitar da forma mais direta possível.
Tendo em conta programas e séries humorísticas é notório que, há já alguns anos, existe uma
grande dificuldade em inovar devido, precisamente, ao facto de o público poder não aceitar da melhor forma o que está implícito nos guiões. Na
versão americana de The Office, que estreou em 2005, e que é uma adaptação da
versão britânica criada por Ricky Gervais, o patrão do escritório Michael Scott, interpretado por Steve Carell, era (e é) considerado o rei do dito "humor desconfortável".
Uma frase dita por ele, como “tu és gay”, ou algum tipo de piada de referência
aos regimes fascistas feitos ao longo da série, hoje em dia seria motivo de grande
discussão. Atrevo-me a dizer que nos dias de hoje, a série seria cancelada
devido à fraca adesão que este tipo de humor teria e às fortes críticas tecidas.
Analisando
o caso da televisão portuguesa, quem não se lembra de programas como “Os malucos
do riso”? Sim, eram feitas piadas machistas, gozavam com as loiras, ciganos,
doenças terminais, etc. E o que fazia o público na época? Ria-se. Os portugueses não
perdiam um episódio e, se fosse preciso, no dia seguinte iam para o trabalho comentar as anedotas que tinham ouvido no programa na noite anterior. Praticamente ninguém reclamava ou argumentava serem “piadas de mau gosto”. E a verdade é que não existe uma figura suprema que nos venha dizer o que pode e o que não pode
ser motivo de riso. Há situações em que é difícil conter o riso e nem sabemos
bem a razão para tal. Apenas mete piada. Será isso assim tão abominável? Se eu soltar uma gargalhada ao ver uma pessoa a cair ao chão rio-me com a situação à qual a pessoa
ficou exposta, e não do desastre em si. Situações inusitadas são deveras
engraçadas e quem nunca passou por algo parecido, que atire a primeira pedra. Penso
que é isto que, por vezes, acaba por ser complicado de entender para algumas pessoas.
Os
Gato Fedorento são outro grupo que constituem um marco importante para a história do humor em Portugal.
Revolucionaram completamente a forma de contar piadas através da exposição de situações caricatas do dia a dia. Quebraram tabus. Foram pioneiros a falar de temas que ninguém falava até então. Sempre com o seu caraterístico
humor nonsense, muitas vezes, retratavam apenas as peripécias do quotidiano,
mas que, efetivamente, faziam soltar boas gargalhadas. E a verdade é que, hoje em dia, os
Gato Fedorento não teriam a adesão que tiveram no passado precisamente pelo facto
de tudo ser visto como um insulto, e também pela intelectualidade com que as
suas histórias eram contadas. As suas piadas eram tão boas de tão
inteligentes que eram.
Penso que nunca conseguiremos chegar a um consenso acerca de quais são, e se existem, limites para o humor. Cabe a cada um interpretar, desenvolver o espírito crítico, tentar compreender o que é dito
em determinada situação, e relacionar isso com tudo aquilo que nos rodeia.
Joana Simões 02/11/2019
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