O Milhais que vale
Milhões: O Herói contrariado.
Recentemente assisti ao filme “O Soldado Milhões”, tenho de
vos confessar que desde do anúncio do filme tive uma enorme curiosidade de o
ver, apesar de só agora ter tido esta oportunidade.
Antes de irmos à crítica vou fazer um pequeno resumo do
filme, para quem não sabe, este: retrata a história de Aníbal Augusto Milhais
que ficaria conhecido pelo Soldado Milhões devido à sua atitude heroica na
“Batalha de La Lys”( 1ª Guerra
Mundial), onde munido com uma metralhadora
Lewis ( a que este chama carinhosamente Luisinha) e contra ordens
superiores travou sozinho várias cargas de ataque alemão, salvando assim
diversos membros do CEP ( Corpo Expedicionário Português), até se voltar a
encontrar com os seus companheiros dias depois em Saint-Venant.
Milhais/Milhões foi o único soldado raso português a receber a mais alto
honraria nacional, a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e
Mérito.
O filme em si, retrata esta história através de duas
narrativas: uma correspondente ao “passado”, ou seja, a vida de Aníbal Milhais
na Guerra; a segunda corresponde ao “presente”, isto é, 20 anos depois da
guerra mostrando as dificuldades de Milhais nas suas relações com os outros
(incluindo a sua família), sendo que estas história ocorrem em simultâneo.
Passando à análise do filme em si, eu tenho de vos dizer,
que gostei bastante, não por ser uma daquelas produções de filme de guerra a
que Hollywood nos habituou, mas sim
por outras características.
A primeira qualidade que mais me chamou à atenção no filme,
foi o facto de este ser sincero desde do começo, pois o filme podia ter
enveredado pelo caminho mais clichê e
só revelar no final que aquilo que era contado sobre a guerra não passava de
uma recordação, mas este filme assume logo isso nos seus instantes iniciais.
Tendo em conta que este filme inicia-se in
media rés, permite que este volte ao inicio da história em si, sem
necessitar de grandes manobras narrativas.
Outra qualidade para mim é o clima de tensão que o filme
consegue ter logo desde início. Os diretores Gonçalo Galvão Teles e Jorge
Paixão da Costa conseguem fazer com que nós nos sintamos desconfortáveis
durante todo o filme, lógico que estou a falar daquele desconforto agradável
que nos faz querer saber o que está para acontecer no futuro próximo. Mas até
nesta tensão se vê a sinceridade deste filme, pois ele assume que o publico já
sabe que o herói vai-se safar, seja qual for a situação (o filme também e
devido à sua sinceridade já tinha feito um “auto spoiler” acabando com qualquer duvidas que podiam restar acerca da
segurança física da personagens principal), ou seja usa as personagens
secundárias e os perigos que estas correm
para serem um veículo de um possível ataque psicológico ao protagonista.
Também bastante positivo são o pragmatismo e inteligência do
guião e da direção, por dois grandes motivos, primeiro o filme não se prende
com datas, pois quando acha que estas são importantes coloca-as na tela e segue
em frente sem perder muito tempo, ou como acontece noutra cena, quando são
necessárias datas sobre o Milhais, o filme resolve facilmente, através de uma
rápida fala da filha deste.
Outro exemplo do pragmatismo e inteligência do
filme é a sua própria narrativa, pois não se demora nas histórias secundárias,
pois conta-as sem recurso a palavra, mantendo esse personagem o máximo tempo
possível em cena, usando os comportamentos desta para contar a sua história;
quando o guião chega a um beco sem saída normalmente, ou usa um clichê, que
neste caso até vai ajudar no contar da história, ou é muitíssimo inteligente e
aproveita o facto de ser um filme “histórico” e foge aos clichês basicamente
seguindo a lógica, mantendo assim simples outro ponto interessante no filme. O
filme reflete também a sua inteligência ao acelerar o seu desfecho, pois mostra
que já nada consegue colocar em perigo o herói (sabendo também que o público já
sabe o desfecho não adianta se alongar muito); por fim e um dos pontos mais
fortes, está na forma como a direção e o guião fazem avançar o tempo no
passado, estes basicamente usam a história do presente para fazer o tempo
passado, andar.
No que toca aos atores estão na sua grande maioria num
grande plano: começando por João Arrais e Miguel Borges, que fazem de Milhais
jovem e o mais velho respetivamente, têm os dois uma grande atuação, o primeiro
cria muito bem a personagem e consegue muito bem faze-la evoluir consoante o
decorrer da Guerra, já o segundo consegue pegar neste personagem já
emocionalmente construído e coloca-lo num contexto mais familiar ; já Raimundo
Cosme (Malha Vacas, melhor amigo de milhais na Guerra) consegue dar à sua
personagem exatamente aquilo que ela pedia com uma grande intensidade; Isac
Graça (Sabugal um dos membros dos amigos de milhais na guerra) a personagem não
exige muito mas este consegue dar-lhe alguma alma; Tiago Teotónio
Pereira(Penacova, outro dos membros dos amigos de milhais na guerra) atuação
igual às habituais do próprio descontraída e mesmo num filme sem nenhumas
oportunidades o guião dá-lhe ainda um toque de galã; Ivo Canelas (Capitão
Ribeiro de Carvalho, o capitão do batalhão) atuação extraordinária consegue ter
um ar de superior sempre que entra em cena e ainda consegue num ou outro
momento dar um toque subtil de humor, com o timing
que ele já nos habituou; Carminho
Coelho (Adelaide, filha de Milhais) a jovem que tem um papel ingrato pois tem
que nos, (público) representar e ao mesmo tempo, tem os seus próprios perigos
para enfrentar, mas conseguiu fazê-lo de uma maneira muito boa; existem outras personagens
com menos tempo de tela como Jaime Cortesão interpretado, e bem, por Graciano
Dias consegue dar um impulso interessante à narrativa quando aparece.
Mas a
personagem que mais me interessou foi Teresa esta, assume quase que uma posição
de divindade, pois é a força motora de Milhais, Lúcia Moniz que interpreta
Teresa adulta e mesmo aparecendo primeiro em tela e por pouco tempo, não
consegue transmitir nada, isto porque Filipa Louceiro (Teresa Jovem) compõe /
entende a personagem como se fosse ela, a jovem atriz mesmo quase sem falar,
consegue quer pela sua postura corporal, quer pelas suas expressões faciais,
transmitir aquilo que a personagem quer dizer e aquilo que ela sente, das
poucas e curtas vezes que aparece rouba a cena completamente, arrisco-me a
dizer que ela em 30 segundos consegue transmitir o que muitas/muitos atores (
com muitos mais anos de experiência e renomados a nível internacional, não
estou a falar deste filme, estou a falar de outros atores em outros filmes) na
mesma posição que ela, não conseguiriam fazer em 90 minutos de filme.
Para concluir eu devo dizer que
gostei do filme e vou sem dúvida começar a ver mais filmes nacionais e
aconselho-vos a fazer o mesmo, pois se tivermos este como pano de fundo e
limite do que se vai fazer preparem-se que vêm aí grandes filmes nacionais.
Só quero dizer que acho que este filme é uma
grande homenagem a um dos maiores heróis militares nacionais.
Francisco Gomes 22/07/2018
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