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Até que a censura os separe


Até que a censura os separe

E quando eu pensava que iria estar mais uma semana sem escrever sobre o Brasil, vem um idiota qualquer dizer umas barbaridades e fazer uma estupidez, que me levam a sentar em frente ao computador e a escrever sobre isso para o blog.

E o que é que eu vos trago esta semana, perguntam vocês? Uma tentativa de censura a um livro de banda desenhada. Quem lida mais perto comigo sabe que eu sou fã de livros de banda desenhada. Não acompanhei desde sempre as edições todas deste género literário, mas os que li, fizeram-me apaixonar ainda mais por este tipo de ficção. E claro, se vêm mexer com uma coisa que eu gosto, eu tenho de falar sobre isso. Mas para vos informar sobre o sucedido, vou explicar-vos tudo o que se passou, para que existisse um ato de censura no Brasil. Sim, censura, leram bem. Em pleno séc. XXI ainda há quem queira passar um marcador permanente sobre algumas coisas.

Na passada quinta feira, dia 5, à noite, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, divulgou (penso que foi através da sua conta de Twitter) que na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, iriam ser recolhidos livros com, e passo a citar, “conteúdo impróprio para menores”. Completou dizendo, “não é correto que elas tenham acesso precoce a assuntos que não estão de acordo com as suas idades”. Até aqui, não tenho nada contra. Cada coisa deve ser aprendida de acordo com a maturidade e idade de cada um. E é claro que numa Bienal, também, nenhuma pessoa iria vender a uma criança um livro onde o conteúdo é, por exemplo, erótico ou pornográfico. Acho que a lógica ainda não nos abandonou (vamos lá senhor Crivella, eu acredito em si. Tente!). No entanto, esta mensagem surgiu, porque nesta Bienal estava presente um livro de banda-desenhada, que continha um beijo entre duas personagens masculinas. O livro em questão é “Vingadores: A Cruzada das Crianças”, da Marvel, e este arco conta a história da busca dos Jovens Vingadores pela Wanda Maximoff, após uns eventos dos quais não vou dar spoiler. No desenrolar da história, Wiccan e Hulkling desenvolvem uma relação mais próxima, acabando por se beijar e se tornarem namorados (é a partir deste arco que este casal surge, e ainda hoje mantém relação no universo Marvel). E se acham que neste arco está sempre a haver clima de romance e eles se estão sempre a beijar, enganam-se. O clima romântico só aparece em 3 páginas, das mais de 200 que compõem o conteúdo desta história, e só numa delas é que eles se beijam. Nas outras duas é o avançar da relação com carinhos e abraços entre os dois. Já para não falar que isto é uma obra da Marvel, não do Nicholas Sparks.

Mas vocês até me podem perguntar: “Mas André, numa Bienal, com tantos livros que a compõem, achas mesmo que o prefeito só se iria interessar por um livro, e onde contém, apenas, um beijo entre dois homens?” A minha resposta é sim, porque o objetivo dele era retirar, de todas as bancadas da Bienal, este arco (que estava presente só num livro de capa dura), porque continha um beijo entre dois homens. Atenção, que estamos ainda numa sociedade onde as relações homossexuais ainda não são aceites por mais de 50% da população (isto é a minha visão, nada oficial). Não se esqueçam que ainda existem conservadores que vão estar aqui sempre presentes, para fazer ver a toda a gente que o ser humano pode ser considerado como a pior espécie presente no planeta e no universo.

Ora, o pedido feito por Crivella ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, tinha como finalidade a remoção de livros com cariz homossexual, no entanto, este publicou uma ordem provisória, na sexta feira, que impedia essa mesma remoção, porque para além de “não ser competência do município realizar aquele tipo de fiscalização”, esta mesma ação era uma “ofensa à liberdade de expressão constitucionalmente assegurada”. E agora vocês pensam que esta ação é maravilhosa e que fez o prefeito ficar calado e com o resto da malta toda feliz… Mas não. No sábado, o mesmo tribunal divulgou que todos estes livros (dos Vingadores) tinham de ser recolhidos pois desrespeitavam o Estatuto da Criança e do Adolescente, e que, para serem vendidos, tinham de ser em embalagens fechadas e com uma advertência sobre o seu conteúdo. Acho que não vou ter de me pronunciar sobre esta ação… Mas como? Porquê? Mas…, mas… A sério, não consigo compreender o estado da sociedade brasileira. Peço desculpa, porque não são todos, mas tenham atenção que as pessoas que vocês andam a eleger, estão a mostrar uma imagem horrível da vossa sociedade. E já sabem que depois vem a generalização e vocês (brasileiros decentes) não escapam. A sociedade está como está, porque na altura em que estes conservadores foram educados, essa “doença” transmitiu-se e entranhou-se nas pessoas da maneira forte que só o conservadorismo sabe fazer. A educação, por outro lado, tem de mostrar que temos de aceitar tudo e todos, independentemente daquilo que a pessoa seja. Acho que não preciso de dar lições de história no blog, mas já passamos pela época dos Impérios, dos escravos, e se quiserem que eu vá mais longe, a época da civilização primária (ou será que ainda vivemos nela?)

Mas não querendo divagar, e pegando nos decentes que falei anteriormente, após este sururu todo, Felipe Neto, que para quem não conhece é um dos maiores, senão o maior, Youtuber brasileiro, comprou cerca de 14 mil cópias dos livros, antes que estes fossem recolhidos pelo Estado brasileiro, e deu-as, a quem quisesse, embrulhadas num plástico preto, com um autocolante que dizia o seguinte: “Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas”. Um dos poucos pontos positivos desta confusão toda, e que, com a ajuda de uma pessoa que influencia outras nas redes sociais, fez com que se uma multidão se juntasse à porta da Bienal, onde muitos deles eram LGBT. Os 14 mil exemplares acabaram por ser todos entregues, e a decisão da recolha destes livros, foi revertida no domingo, pelo Supremo Tribunal Federal, que proibiu qualquer ato de censura a qualquer publicação que aborde temas LGBT.

É claro que isto iria acabar por se tornar mundial, e chegou (o beijo) a ser capa de um jornal brasileiro. Isso acabou por gerar mais partilhas e a chegar a quem realmente desenhou aquele beijo, que acho que não preciso de referir a reação do ilustrador, pois não? O próprio prefeito ainda veio, no domingo, tentar defender-se, dizendo que “não é censura nem homofobia como muitos pensam. A questão envolvendo as BDs na Bienal tem um objetivo bem claro: cumprir o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. Queremos, apenas, preservar nossas crianças, lutar em defesa das famílias brasileiras e cumprir a Lei”. É óbvio que eu não considero isto como desculpa. Acho que o prefeito acabaria por ficar melhor se tivesse ficado calado. Tentar justificar-se apenas fez com que pareça mais burro. Nada do que o que aquele senhor venha a dizer, servirá de justificação para algo tão feio nos dias atuais. E antes de concluir o meu texto, só referir que o título que a Visão deu a uma notícia ligada a este acontecimento, na página de internet, foi muito mau. Muito mau mesmo (e olhem que já estou a ser amigo): “No Brasil de Bolsonaro, a censura voltou em força”. Olhando para aquilo que é o jornal e olhando para o título, quase que parece que o jornal Visão virou um blog. E pergunto, para quê chamar Bolsonaro à conversa se o homem não teve nada a ver com o que se passou? Depois claro, queixem-se que o homem ataca a Comunicação Social. Vocês nem o vosso trabalho sabem fazer, quanto mais noticiar decentemente o dos outros.

Para concluir, não esperava que num século avançado como é o XXI, ainda existem governos liberais que querem impor a censura em coisas (e não me refiro aos partidos, porque um partido de direita, de esquerda, centro, desde que não tenha ideologias ditatoriais é liberal. Deixo esta ressalva, porque pelo que leio às vezes, as pessoas ainda não sabem). E atenção, porque nós, como sociedade, não podemos permitir que este tipo de coisas aconteça. Hoje é uma censura a um livro, amanhã a um programa de televisão e daqui a um mês temos um país todo a viver numa era ditatorial. “Ai André, que exagero”, dizem vocês. E eu respondo que governos como o de Hitler, Salazar, Mussolini, entre outros, foram todos nomeados pelas pessoas. Se hoje temos mais estudos, usemos essa mesma literacia para fazermos notar a quem governa (e não manda) o país, aquilo que é o limite do aceitável. Penso que nunca me referi publicamente na internet acerca deste tema, mas, caramba, vivemos no séc. XXI, onde temos avanços em tudo o que é sítio, e no que diz respeito à sociedade, nada. Eu apoio que todos tenham o direito de escolher o melhor para as suas vidas, dentro do aceitável e permitido pelas leis, e que de uma vez por todas as pessoas passem a ficar mais abertas em relação a estes temas que tanto necessitam de divulgação. Precisamos que as pessoas dentro destes “mundos” falem acerca das suas vidas, para que no futuro, as pessoas fechadas vejam que homossexuais, transsexuais, entre outros, têm uma vida igual à de qualquer um de nós. Apoio a que editoras, produtoras, sites, blogs, quer estes sejam grandes ou pequenos, comecem a mostrar esse mesmo lado da “moeda”, para que comecemos a ter menos pessoas burras e passemos a ter mais pessoas felizes, que não têm de viver com medo de sair à rua só porque são diferentes. A escolha pertence-nos.


André Ferreira                                09/09/2019

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